Não
se deixe levar pela péssima qualidade da foto, o que vale é a imagem e o
sentimento envolvido nesse momento. Era um daqueles dias que tudo o que você
mais quer é deitar na cama e descansar. Estávamos em meio ao furacão de um
propósito de 28 dias cumprindo tarefas que fizessem de nós pessoas melhores.
Minha
mãe era uma mulher como qualquer outra: tinha uma rotina, morava em um
apartamento próprio quase na área rural de Porto Alegre, tinha meia dúzia de
amigos e mais sonhos do que ela mesma poderia contar. Tinha também um cachorro
feio e um emprego ruim. Está bem, a parte do cachorro feio podemos ignorar, para
os olhos dela, ele era bonito (bem, eu também sou, aos olhos dela, então, ela
não tem altos padrões de beleza).
Eu,
se quer tinha uma vida. Não gostava de sonhar e nem imaginava que o amor ia
além daquilo que eu já vivia. Meu coração não andava nada bem e eu havia
perdido muito na vida, apesar de pouquíssima idade.
Cortei
laços com minha família “fábrica” pois precisava crescer, sair do ciclo.
Em
um dia como qualquer outro, Deus olhou para minha vida com a mesma misericórdia
com que olhou para a vida da minha mãe e decidiu nos unir.
Desde
o momento em que cheguei na vida dela, perdi as contas de quantas vezes ela me
montou e desmontou em laços de amor, deixei de contar as tristezas e planejar meu
futuro pelo dia de hoje. Ela trouxe a bagunça que só uma mãe que não gerou no
útero pode trazer.
Ela
tinha medo de errar, e por essa razão, errou muito. Errou mais do que deveria,
mais do que poderia. Errou mais do que qualquer outra mãe erraria, errou por não
ter recebido nenhum manual de instrução de como lidar comigo.
De
tanto errar, começou a acertar. Acertou em todos os abraços, mimos, cheiros,
beijos, zelos e cuidados. Me deu além do que eu merecia, além do que eu precisava
e não me deixou crescer. Ainda não me deixa. Ela me quer por perto, tenho a
impressão de que, de tão perto que ela me quer, provavelmente, se ela pudesse,
me colocaria dentro dela. Me engoliria só para que eu estivesse tão perto dela
que seríamos uma única pessoa.
Eu,
errei pela idade, errei por temer, errei por conta dos outros, errei por culpa-la
e errei por exigir demais. Errei em cada noite que não lhe dei um beijo antes
de dormir, errei nas orações em que pedia a Deus para que ela fosse uma boa mãe
para mim. Eu deveria era ter pedido para ser uma boa filha.
Até
que, após vários anos, atravessando nossos vales mais extensos, decidimos
acertar.
Oramos,
choramos, passamos fome, contamos moedas para pagar a conta de energia,
vendemos nossas coisas e mudamos de estado. Sem grana. Tomamos banho direto do
cano pois não tínhamos chuveiro, dormimos no chão e quando tínhamos grana,
decidimos não investir em nada, deixamos de comprar até mesmo um prato para
comer. Ao invés disso, compramos umas passagens de avião e fomos para a
Argentina. Trabalhamos, sorrimos, brincamos, fizemos amizades, erramos. Passeamos
muito e comemos mais ainda.
Trabalhamos
freneticamente, juntamos muita grana e construímos um sonho maior do que todos
os sonhos. LIBERDADE.
Juntamos
muita grana e jogamos fora. Recolhemos tudo, dissemos adeus e partimos. Outra
vez. Acertamos, dessa vez.
Mudamos
de país, adotamos uma gatinha rançosa e bipolar, compramos um carro mais velho
que sobrevivente do Titanic e mais enferrujado que prego contaminado com
tétano. Aprendi a dirigir.
Construímos
uma casa dentro de um carro, moramos nela. Odiamos!
Viajamos
por muitos lugares, comemos coisas diferentes. Coisas ruins e conversamos com
gente boa. Boa demais. Fizemos família ao redor de muitos lugares.
Perdemos,
ganhamos. Ficamos enlutadas, ficamos longe. Mas, o coração é como um imã com
polaridades opostas, sou atraída pela energia gostosa que minha mãe tem, e ela
pela minha.
Reconstruímos
pontes, vivemos em família. Fomos família.
Reconstruímos,
gastamos dinheiro, jogamos ele fora. Criamos laços, rompemos laços. Aprendemos
coisas novas, bebemos até cair. Caímos de tanto beber. Compramos uma cachorra.
Mobiliamos
a casa, pintamos tudo, equipamos e desfizemos tudo. Nos isolamos, crescemos,
nos desafiamos.
Reconstruímos.
- Vida Erin Zurich
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